#3 Carta motivacional
as palavras que escolhi para convencer-me de que cruzar o oceano era uma boa ideia
Lembro-me exatamente da sensação desconfortável em escrever o primeiro poema, o nó na garganta, o desejo por não profanar clichês e a vontade de vomitar, em palavras, o que sentia, através daqueles versos que, até hoje, me fazem ser apaixonada pelo amor e, depois daquele nunca mais parei. Eu tinha dezoito anos, não fazia ideia de quem era Antonio Cândido, Stuart Hall ou Roland Barthes, escrevia conscientemente mas com pouca técnica, achava que queria ser professora e havia participado de duas oficinas de escrita criativa, tinha muitos textos na gaveta e já acumulava mais de três cadernos com histórias que nunca seriam publicadas mas, aquele poema daria início a minha trajetória amadora enquanto escritora.
Uma canção do Brasil diz que “Suas escolhas tem sempre metade da chance de dar certo, é assim com todo mundo” e hoje, aventuro-me, arrisco ser imigrante, mesmo que já seja cidadã no documento. Afinal, depois de uma pandemia e oito anos após escrever o poema citado nesta carta, percebo que a escrita existe em mim na mesma intensidade que sou, e não me dar a oportunidade de viver isso seria anular parte principal do meu eu.
Sinto que durante a graduação quanto mais aprendia sobre literatura, cultura e arte, aproximava-me do que queria ser e encantei-me com A república de Platão, queria ser governada por poetas, mas também acabei me apegando a ideia de Fernando Pessoa e sendo fingidora. Lecionei dos dezenove aos vinte e três anos, amava o que fazia mas ainda tinha a escrita como coadjuvante e não protagonista, apesar disso, vivi diversas carreiras adiando um sonho, consegui me manter próxima da contação de histórias e ainda ter uma carreira promissora e estável. Entendia que escrever não seria a minha principal profissão mas que estava ali, agindo em meio a discursos escritos para colações de grau, textos postados e livro publicado.
Fui vendedora de loja, corretora de redação, professora, revisora, produtora de conteúdo e social media, vi-me sempre reafirmando uma fala de Roland Barthes que li na faculdade “a literatura não permite caminhar mas permite respirar”. Além de também concordar com Antonio Candido “Não há povo e não há homem que possa viver sem ela. [...] sem a possibilidade de entrar em contacto com alguma espécie de fabulação.” Contar histórias é o que me faz permanecer viva, independente do espaço que eu ocupe.
Assim, a decisão de me colocar como protagonista na minha escrita, mesmo que isso signifique ser imigrante é também voltar para as histórias da minha família, do meu avô que saiu do país de origem com a mesma idade que eu escrevi o primeiro poema. A expectativa de ser escritora, como profissão e não como figurante, conduz-me à presente candidatura ao Mestrado em Escrita Criativa na Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra, esperando aprofundar e desenvolver a capacidade de compreender a palavra e de criar através dela.
Rio de janeiro, 03 de junho de 2024
Juliana Amaro